terça-feira, 3 de julho de 2018

E ainda se pode pensar em Arqueologia Bíblica?

E ainda se pode pensar em Arqueologia Bíblica?
Álvaro C. Pestana
2018

Os debates entre arqueologia minimalista maximalista no fim do século passado e neste atual levaram alguns a ridicularizarem a frase ‘Arqueologia Bíblica’. Não poderia ser usada ou, se for utilizada, só pode ser brincadeira, ignorância, obscurantismo ou (agora, o grande ‘palavrão’) fundamentalismo!

Os mestres da suspeita, niilistas, negadores de tudo, sempre dizem “Não”. Tudo está errado, tudo é lenda, tudo é mentira, tudo é ignorância, tudo é etiologia falsa, tudo é profecia depois do evento, tudo é criação da imaginação. 

Para eles, o que querem encontrar com sua pesquisa é apenas a confirmação de seu mote oculto: “A Bíblia estava errada”, “A Bíblia não tinha razão” ou “A Bíblia não importa”. Seus alvos são outros: políticos, humanísticos, ideológicos, pessoais etc. Sua chave hermenêutica para entender o mundo e o que procuram, está em outro lugar. Tudo bem... cada um escolhe sua forma de ler o mundo e as coisas. Em nossa pós-modernidade, se é que ela existe, já sabemos que não existe leitura sem óculos: todos fazem seus trabalhos a partir de pressupostos e de alvos a serem alcançados. O que se encontra é definido pelo que se procura: “buscai e achareis” – vale para todas as ciências!

Portanto, quem disse que não posso me apropriar das descobertas arqueológicas, dos estudos culturais, antropológicos, etnológicos, históricos, linguísticos, biológicos, físicos, químicos, astrofísicos, filosóficos, artísticos etc. em favor da fé? Por que o pressuposto da dúvida e da suspeita não pode ser posto em dúvida e suspeita? Por que a relatividade das coisas não pode ser relativizada? Por que o pressuposto de fé não poderia ser utilizado? Por que só o pressuposto de fé na descrença é válido? 

Pelo que eu me lembre, a única árvore da qual não devo (voltar a) tentar comer é aquela que decorre do desejo de saber (e ser) como Deus. Uma vez já se provou tal fruta e os resultados foram mortais em todos os sentidos. Hoje, justamente, a morte da razão, da esperança e do saber decorre dos que se alimentam da ilusão de serem como Deus e se descobrem sem terra sob os pés, sem céus sobre si... estão no limbo do não-ser-e-não- saber. Em vez de participar do creatio ex-nihilo vivem damnationem quia nihil.

É bom lembrar que os que comeram o fruto do conhecimento para ser como Deus só ficaram envergonhados com sua natureza desprovida de tudo e desenvolveram tecnologias para disfarçar sua absoluta pobreza e desprovimento natural. Tomar posturas de divindade acabam por revelar as fraquezas da humanidade que por sua vez podem levar a ocultar-se dos outros e até mesmo de Deus: que ele não exista para nos encontrar!

Então, posso degustar do fruto da arqueologia, dentro de minha perspectiva de fé, sem dificuldade, pois credo ut intelligam, creio para compreender. Posso usar a arqueologia para corroborar com minha fé, posso interpretar a arqueologia dentro de minha perspectiva fideísta, sabendo que não é a única, mas é a minha. Posso viver com a fé que conduz a minha vida, evitando o erro de ter fé na descrença. Muitos ainda não perceberam o quanto a fé na descrença é, também, forma anômala de fé: ser crente fundamentalista da não-crença sem se aperceber quão angustiante é esta fé.

Na verdade, o diabo parece ter sido o primeiro mestre da suspeita, dizendo que “não se podia comer fruto nenhum”. Ora, contradizendo isto, Paulo que disse aos cismáticos coríntios, que se polarizavam e se dividiam por adoção de uma coisa contra outra, que “tudo é vosso”. Eles não precisavam dividir... podiam fica com tudo! 

Todas as ciências, são nossas! Até a descrença e a desconfiança de Tomé é nossa... serve, ao depois, de prova do vigor e do valor da fé sobre a dúvida: prova que “o algo” é sempre melhor que “o nada”.

A arqueologia bíblica está aí para mostrar que a fé ainda é o sólido fundamento da descoberta científica esperada (ἐλπιζομένων ὑπόστασις), prova experimental do invisível (πραγμάτων ἔλεγχος οὐ βλεπομένων), conforme se pode traduzir do famoso texto: Ἔστιν δὲ πίστις ἐλπιζομένων ὑπόστασις, πραγμάτων ἔλεγχος οὐ βλεπομένων (Hb 11.1).

A arqueologia bíblica ou qualquer outra arqueologia, pode tomar como pressuposto: (i) a Bíblia deve estar certa; (ii) a Bíblia deve estar errada; (iii) a Bíblia é irrelevante e não conta. São pressupostos, todos com sua validade condicionada a outros pressupostos sustentados pelo arqueólogo. 

Sem tentar entrar nas profundezas do pensamento dos outros, podemos falar por nós e pelos que têm fé. Por seguir a pessoa de Jesus que disse “a Escritura não pode falhar” (καὶ οὐ δύναται λυθῆναι ἡ γραφή), também pressupomos que a Bíblia deve estar certa.

Por muitas vezes, esta fórmula já se mostrou, experimentalmente verdadeira... No Século XVIII e sobretudo no XIX muito se afirmou contra a historicidade de quase toda a narrativa bíblica, até mesmo do Novo Testamento. Contudo, depois de algumas descobertas arqueológicas, o “jogo virou” e o antigo escárnio sobre o texto bíblico tornou-se silêncio e uma amnésia geral veio sobre a comunidade científica zombadora de modo que não se pediu desculpas pelo passado, afinal, a ciência progrediu! Enfim, temos boas razões para aguardar que as descobertas arqueológicas, interpretadas por quem tem fé, no futuro desfaça as atuais certezas da incerteza do texto bíblico: “se esperamos o que não vemos, com paciência o aguardamos” (Rm 8.25) – o que vale para a fé em geral, vale para a arqueologia em particular. 

“O justo vive por fé” (Rm 1.17; Gl 3.11; Hb 10.38 – Hc 2.4).