Fé como humanização
Álvaro C. Pestana
2018
O surpreendente da fé cristã, é que o evangelho pede que creiamos em pessoas, em homens, em indivíduos comuns na sua época tais como Pedro, Paulo, João e Tiago.
Crer em pessoas é uma das coisas mais difíceis de fazer, pois a experiência nos mostra que o processo leva a inevitáveis frustrações, decepções e, ocasionalmente, ira e ressentimento quando percebemos que nossa fé foi abusada.
Pedro, contudo, diz que o que pregou não foi inventado, mas que ele mesmo foi testemunha ocular dos acontecimentos que relatou (2Pe 1.16-21). Paulo, da mesma forma, alista as testemunhas do evangelho finalizando a lista com seu próprio nome (1Co 15.1-11). João e sua comunidade insistem em dizer que a testemunha cujo relato se recolhe na narrativa não só era testemunha ocular de valor inconteste como também que seu relato corresponde ao que foi visto, ou seja, é a verdade!
Por incrível que pareça, antes de crer em Deus, temos que crer nos homens!!
Este é o maior empecilho do evangelho, e provavelmente, uma principais razões pelas quais ele é, de fato, um evangelho — uma boa nova.
Crer em Deus é fácil, ou seria fácil, se ele saísse da penumbra, fizesse uma aparição cheia de glória que acabasse com nossa liberdade de crer ou não crer: sua revelação esmagaria nossa opção pela fé - nunca mais haveria fé. Conforme alguns cientistas da religião tentaram expressar no passado, a presença de Deus em pessoa não gera fé, mas assombro, maravilha, terror, atração e um misto de outros sentimentos ora paradoxais ora difíceis de definir.
Parece que Deus não resolveu usar este meio como seu método “normal” (se é que é lícito falar de normalidade neste tema) de falar com os homens. Sem negar as teofanias e as revelações divinas perturbadoras e maravilhosas, o método de Deus para produzir fé é bem mais primitivo, prosaico e, até mesmo, pobre: ele quer que tenhamos fé nas pessoas que nos falam sobre ele.
Quase poderíamos, com base nisto, deduzir que a revelação máxima de um Deus assim não será uma aparição celeste gloriosa, mas creio que um Deus que escolheu este caminho, provavelmente tomará o propósito de se fazer pessoa para ser crido não como Deus, mas como homem: ele quer que tenhamos fé nas pessoas.
Isto se complica muito, pois as pessoas não são dignas de fé. Pelo contrário, na política, na religião, nos negócios, no amor, na amizade e em muitas áreas da atividade humana, o que mais existe é o abuso da fé e da confiança - é quase uma certeza, uma coisa que se espera ou uma convicção de um fato que ainda não se vê: a pessoa em quem confiamos vai nos decepcionar.
Contudo, fé é tudo o que precisamos para lidar uns com os outros.
De fato, todos os relacionamentos, de uma forma ou outra, trabalham algum tipo de fé no outro. Quando compramos um produto em um balcão, o vendedor nos dá o produto e espera nosso pagamento. Ou o contrário: pagamos e esperamos que ele nos dê o produto. Enfim, imagine como a vida seria difícil se a cada compra tivéssemos que “simultaneamente” largar o dinheiro com a esquerda enquanto recebemos o produto com a direita!! A vida não funcionaria de modo algum. Cada momento da vida seria altamente tenso, com a necessidade de vigilância e desconfiança máximas a todo tempo. Seria como andar em meio a um tiroteio todos os dias!! Não se vive assim… temos que acreditar que o outro vai fazer algo conforme o combinado, conforme o socialmente definido, conforme o civicamente determinado… enfim, temos que confiar que o outro vai agir, até certo ponto, corretamente.
Confiamos todo o tempo… temos fé todo o tempo. Claro que não arriscamos muito: quando há grandes valores envolvidos ou uma situação de risco, nos cercamos de garantias e seguranças, mas em geral, no dia a dia, confiamos em quase todos.
Sem fé, é impossível agradar a Deus (Hb 11.6). Se fé é certeza de coisas que se esperam, convicção de fatos que não se veem (Hb 11.1) então isto se aplica a muitas outras coisas. Sem fé, é impossível ser humano… agir com certeza que as coisas que esperamos serão correspondidas… estar certo que coisas que não vemos, serão concretizadas… tudo isto apesar do ser humano e de sua completa falta de fidelidade!!!
Logo, todos tem fé… sem fé (de alguma forma), não se vive… Com fé nos achegamos aos homens e assim também a Deus.
“Andar com fé eu vou, porque a fé não costuma falhar”.