sábado, 23 de dezembro de 2017

Ensaio sobre a cegueira

Ensaio sobre a cegueira
Álvaro C. Pestana
2017
Josef Pieper, filósofo tomista, escreveu um surpreendente midraxe do capítulo nono do Evangelho Segundo João: “A Experiência com a Cegueira”. O texto dele chamou minha atenção para o clímax da narrativa:

39 Prosseguiu Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não veem vejam, e os que veem se tornem cegos. 40 Alguns dentre os fariseus que estavam perto dele perguntaram-lhe: Acaso, também nós somos cegos? 41 Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado algum; mas, porque agora dizeis: Nós vemos, subsiste o vosso pecado (Jo 9.39-41).

Segundo o próprio Jesus, ele veio para que:

“os que não veem vejam, 
  e os que veem se tornem cegos” (verso 39)

E este é o grande perigo para todo teólogo, professor, estudante e qualquer um que afirme sua opinião, fé, doutrina e práxis como correta: “Nós cremos que vemos!” Portanto, há grande risco de sermos cegos…

Este é o grande perigo: Nossa pretensa visão nos cega?

Jesus debateu muito mais com os teólogos e com os religiosos de seu tempo do que com o povo comum ou com os desinformados. O seu conflito era com os que sabiam, com os que praticavam e com os que tinham fortes convicções e crenças.

Saulo de Tarso estava absolutamente convicto de seu entendimento bíblico. Para ajudá-lo, Cristo, num ato de gentileza (e não de punição), o deixou vislumbrar sua verdadeira condição: ficou cego para saber que era cego (At 9.8-9). Suas certezas o cegavam…

Acreditamos no que cremos… Cremos que estamos corretos… E Jesus diz que este é o caminho de muitos cegos que guiam outros cegos (Lc 6.39; Mt 15.14). Jesus chamou os líderes, os eruditos, os mestres da religião de seu tempo de “cegos” (Mt 23.16, 17, 19).

O grande perigo é aquele que faz com que nossas certezas e o nossos aprendizados nos impeçam de aprender mais e de caminhar em novos arrependimentos.

Trata-se tipo de teimosia baseada num fundamentalismo de entendimento e de saberes congelados, imóveis, ressecados e incapazes de serem novamente ensinados, aquecidos, movimentados e moldados pelo Plasmador da imago Dei em cada um de nós.

Manifesta-se, justificando um heroísmo e um conservadorismo em prol da verdade, quando na realidade, é uma recusa ao crescimento, uma rejeição da possibilidade de estar errado ou uma incapacidade de aprender de outros… até mesmo de Deus.

Que Deus não permita que nossos estudos atrapalhem nosso aprendizado. Que não ocorra que nosso saber nos tire a capacidade de aprender mais. Que não nos satisfaçamos com conhecimento, deixando de vivenciar a sabedoria.

Como escapar disto uma vez que buscamos a verdade e não acreditamos no relativismo que deixa a alma à deriva? A tríade paulina vem bem a calhar: fé, amor e esperança.

subjetiva e objetiva que nos faz compreender que é dinâmica: crescemos na fé, na confiança em Deus e na apreensão da doutrina que ele nos ensina. Ainda não chegamos lá. Andamos por fé e não pelo que vemos. O justo viverá por fé.

Esperança, porque vivemos de futuro, nos alimentamos do futuro. Ainda não temos… não chegamos lá… “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição, mas prossigo… esquecendo-me das coisas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão... prossigo...” (Fp 3.12-14). Assim confessamos nosso inacabamento e a transitoriedade de nosso saber.

Amor, pois o amor a Deus e ao próximo é o guia do aprendizado da fé e da esperança. “O saber ensoberbece, mas o amor edifica”. Não é qualquer saber que é carcinogênico, mas o que é orgulhoso, centrado em si e acabado: que nada serve ao amor.

Assim, veremos, mas entenderemos que há mais por ver… entendemos que éramos cegos e agora vemos, mas só enxergaremos perfeitamente quando encontrarmos nosso Senhor… hoje vemos como em espelho, obscuramente, então veremos face a face…

O paradoxal milagre da cura por etapas do cego de Betsaida (Mc 9.22-26) torna-se recorrente em nossa experiência.

As virtudes do exegeta são, paradoxalmente, humildade e convicção. Sem a primeira, nem vislumbramos o reino que só é acessível aos humildes de espírito. Com ela, fortalecemos a convicção da necessidade do Messias e que não nos iluminamos a nós mesmos.

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